PIS e COFINS com Dr. Marcelo Motta
DOS EXCESSOS DA FAZENDA NACIONAL
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Corrupção e tributação do ato ilícito

Na Roma antiga, tendo Vespasiano criado um tributo sobre os mictórios públicos, foi questionado por seu filho Tito quanto à sua inconveniência. Ao que o pai, apresentando-lhe uma moeda, perguntou: fede? Com a resposta do filho: não fede (em latim: non olet). Deste modo, na modernidade alguns estudiosos se aproveitaram dessa passagem para definir o princípio do non olet no âmbito do direito tributário, significando que a origem do recurso não é relevante para fins tributários.

Um entendimento amplo neste sentido poderia fazer crer que até mesmo o ato ilícito, como a corrupção ou o comércio ilegal de drogas, ou os frutos desse ato ilícito, como a renda por eles produzida, poderiam ser objeto da tributação. Mas, há limites na imposição de tributos.

Afinal, como toda atividade do estado, a  instituição e a cobrança de tributos tem seus limites definidos na legislação. O tributo é fenômeno jurídico, e não econômico, e portanto se submete ao conjunto das regras e não pode ser visto exclusivamente sob a ótica fiscal, ou do interesse do estado de arrecadar.

Deve-se observar que uma regra tributária terá sempre um fato lícito como gerador da obrigação tributária. Não se pode, por exemplo, fazer incidir tributo sobre faturamento na hipótese de venda de droga cuja venda seja proibida, ou permitir-se um crédito presumido de tributo na hipótese da venda de mercadoria informada pelo contribuinte como tendo sido adquirida por meio ilícito.

Podemos concluir que os atos caracterizados como ilícitos e por essa razão nulos, a exemplo de corrupção, comércio de drogas ilícitas ou o contrabando, não podem estar previstos na lei como geradores da obrigação de recolher tributos.

Também podemos concluir que na hipótese de o ilícito ser precedente e não estar diretamente vinculado ao fato previsto na norma tributária, somente não será possível a tributação acaso a lei sancionadora do ilícito implicar na  desconsideração daquele fato, com o retorno ao status anterior à sua realização. Seria o caso, por exemplo, da aquisição de um imóvel com dinheiro originado no  tráfico de drogas: neste caso haverá o perdimento do bem para o estado, mas o ITBI (imposto sobre a transmissão de bem imóvel, devido ao município) pago na transação, considerando que esta não seja anulada, será definitivo.

Em sentido diverso, tomemos o exemplo do recurso auferido por meio da corrupção disfarçada em pagamento de serviços. O beneficiário declara como sendo lícita sua origem e o oferece à tributação, para em momento posterior ser identificada sua ilicitude com a consequente obrigação de restituição dos valores recebidos. Neste caso, o fato tido inicialmente como originador da renda – aquela prestação de serviço – foi desconsiderado e o recurso obtido pelo infrator foi restituído à origem, voluntária ou compulsoriamente, evidenciando a inexistência do fato previsto na norma como “receber renda” e gerador da obrigação tributária. Neste caso, o imposto de renda, que inicialmente se mostrava devido, não mais o será.

Deste modo, não há tributo acaso não se verifique a ocorrência da chamada hipótese de incidência por força da nulificação do fato nela previsto.

Portanto, podemos entender que no caso de ato ilícito a obrigação tributária será exigível segundo o grau de conexão entre a ilicitude e o fato tributário.

Não se pode perder de vista que, acaso se admitisse a tributação de um ato ilícito e este ato fosse assim reconhecido na esfera penal, a pena seria a perda, o confisco, dos frutos deste ato. Este confisco faria desaparecer a capacidade contributiva, o que implicaria na necessária restituição do imposto pago ao contribuinte. Com isso, o criminoso teria direito a receber de volta o imposto que pagou.

Portanto, temos um caminho a escolher dentre estes dois: (1) entendermos que o ato ilícito não é tributável ou (2) reconhecer quanto à impossibilidade do lançamento, acarretando na necessária restituição, ao criminoso pagador de impostos, daquele valor pago.

 Dr. Marcelo Torres Motta 

Sócio administrador