Corrupção e tributação do ato ilícito
Intervenção Federal
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DOS EXCESSOS DA FAZENDA NACIONAL

Recente alteração na legislação federal permite que a Fazenda Nacional torne indisponível todo o patrimônio do devedor de tributos por ela administrados sem necessidade de prévia autorização judicial, bastando para isso a inscrição do débito em dívida ativa. De forma inédita e exclusiva.

A lei 10.522, de 2002, alterada pela lei 13.606/2018, prevê que “inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados”. Não havendo o pagamento neste prazo de cinco dias, poderá a procuradoria da fazenda nacional “averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis”.

A lei definiu também que caberia à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editar os atos complementares para o fiel cumprimento dessas inovações, o que foi feito por meio da portaria 33 de fevereiro deste ano, a qual não mencionou a indisponibilidade dos bens do devedor.

A indisponibilidade não elimina o direito à propriedade, podendo o devedor usar e fruir do bem, somente não dele dispor, e seu objetivo é resguardar o resultado prático de uma ação a fim de que o credor tenha meios de satisfazer ser crédito. Ainda assim, e devido à sua relevância negativa para o devedor, somente era deferida em processo judicial quando identificados pelo juiz a plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris) e o fundado receito de dissipação do patrimônio.

A indisponibilidade é instituto que se refere a todo o patrimônio do devedor, diferentemente das medidas cautelares específicas prevista na lei como o arresto e o sequestro, e até a penhora, que se referem a determinado, de determinado valor, como garantia a determinado débito.

Essa sempre foi a distinção entre estes institutos: por objetivarem a garantia de cumprimento de uma obrigação com valor determinado, as medidas cautelares nominadas se referem, sempre, a determinado bem previamente avaliado; já a indisponibilidade não se refere a um bem específico, e seu efeito consiste na nulidade de eventual alienação de qualquer bem uma vez que o impedimento alcança todo o patrimônio do devedor.

Em matéria tributária, a indisponibilidade de bens já era prevista na forma da medida cautelar fiscal (lei 8.397/92), e neste caso seus efeitos se estendiam até o limite da satisfação da obrigação, ou seja, limitados ao valor da dívida e considerada a avaliação dos bens atingidos. Também no curso do processo de execução fiscal pode haver a indisponibilidade, hipótese da penhora limitada a bens de valor bastantes a suportar o débito.

Acaso se considerasse legal, constitucional, essa disposição da lei 13.606, estaríamos conferindo à fazenda pública uma prerrogativa até agora restrita ao âmbito do processo judicial, na forma do artigo 185 do código tributário nacional. Este prevê que o juiz determinará a indisponibilidade dos bens do devedor tributário que, após citado, não apresentar bens à penhora e do qual não sejam localizados bens penhoráveis. E ainda assim, nestes casos a indisponibilidade fica limitada ao valor total da execução, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.

Também não podemos desconsiderar a súmula 560 do STJ, de 2015, a qual  determina que a “decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma  do artigo 185-A do CTN, pressupõe o exaurimento das diligências na busca por bens penhoráveis, o qual fica caracterizado quando infrutíferos o pedido de constrição sobre ativos financeiros e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado,  ao Denatran ou Detran”.

Por outro lado, o prazo de cinco dias para manifestação pelo contribuinte quanto ao aviso da inscrição em dívida ativa se mostra extremamente exíguo. Sabe-se da complexidade dos procedimentos contábeis, considerando-se não só os fatos geradores e a obrigação principal, mas o sem número de obrigações assessórias.

Deste modo, diante da aparente abusividade do disposto na novel legislação, o contribuinte por ela atingido deve buscar no judiciário a garantia de suas prerrogativas constitucionais.

 Dr. Marcelo Torres Motta 

Sócio administrador